segunda-feira, 16 de setembro de 2013

(Carlota Joaquina) "A Incompreendida"

Da Série Carlota Joaquina.



A incompreendida

 Carlota Joaquina de Bourbon e Bragança, mulher de Dom João VI, continua uma personagem pouco conhecida da nossa história. A exposição na mídia ajudou muito a popularizá-la, mas pouquíssimo compreendê-la. Nas duas produções, os autores reproduzem a imagem da princesa do Brasil como uma mulher muito feia, ambiciosa, libidinosa, adúltera e que, sobretudo, odiava o país. Mas volumosos conjuntos de cartas de Carlota Joaquina, guardados no arquivo histórico do Museu Imperial em Petrópolis (RJ) e nos arquivos portugueses e espanhóis, contam uma versão bem diferente.

Como parte de um acordo entre as coroas ibéricas, a espanhola Carlota foi enviada aos 10 anos a Lisboa para casar com o infante português Dom João. Com o marido introvertido e depressivo ausente do centro de poder, recolhido nos palácios de Mafra e Vila Viçosa, Carlota passou a ter um papel político relevante na adolescência. Defensora do absolutismo, numa época em que crescia a influência dos liberais ingleses na corte, ela negociou o apoio da França e da Espanha para assumir o poder em Portugal.

Mas,  o agravamento da crise política na Europa e a iminente invasão francesa – que obrigou a família real fugir de Portugal – cancelaram suas ambições políticas. Em 1807, a viagem para o Brasil significou para Carlota o exílio. Longe dos pais, dos amigos e partidários políticos, ela não via mesmo muitos motivos para gostar do Brasil.

Vivendo no Rio de Janeiro, Carlota recebeu a notícia da invasão da Espanha pelas tropas de Napoleão e a prisão de toda a sua família. Em 1808, com apoio do almirante inglês Sidney Smith e membros da elite criolla de Buenos Aires, Carlota pleiteia a regência da monarquia espanhola, para liderar a oposição à invasão francesa e governar o império espanhol, estabelecendo a sede da monarquia em Buenos Aires, capital do vice-reino do Rio da Prata
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Em geral, os historiadores consideram essa interferência política fruto de sua ambição pessoal e do desejo desenfreado de poder. Entretanto, a correspondência entre ela e os intelectuais portenhos, que se tornaram defensores do “carlotismo”, mostra o contrário. Em 1809, Saturnino Rodrigues Peña, escritor e político portenho escreveu: “A senhora dona Carlota, princesa de Portugal e do Brasil e infanta da Espanha, tem uma educação ilustrada e os sentimentos mais heróicos. É impossível ouvir falar dela sem amá-la; não possui uma só idéia que não seja generosa: em uma palavra parece prodigiosa a vinda da digna princesa, sua educação, suas intenções e demais extraordinárias circunstancias que a adornam; em cuja virtude não duvido, nem V.S. deve duvidar que essa seja a heroína que necessitamos.

As cartas mostram que a relação com o marido, outra fonte de polêmicas, também tinha momentos de carinho. Em bilhete enviado à mulher, em 1813, dom João se expressa de forma afetuosa: “Meu amor, estimei infinito a tua carta por ter a certeza de que estás boa e nossos filhos. Eu passo bem e nossos filhos e neto. Quanto ao que me dizes a respeito do furto dos pretos, aprovo o que fizeste, e adeus meu amor.”

Por que, então, a historiografia brasileira criou essa caricatura menor para representar Carlota Joaquina? Ao invadir a esfera pública, espaço proibido ao sexo feminino na época, Carlota perdeu todos os predicados inerentes às mulheres, como, feminilidade, beleza, recato e bondade. Eis o motivo pelo qual muitos artistas ao representá-la, fiéis a esses estereótipos, retratam feições marcadamente masculinas.


Além disso, há o componente ideológico. No século 19, as interpretações do passado tornaram-se ferramentas políticas na criação das identidades nacionais nos países que surgiam. No Brasil, não foi diferente. Carlota Joaquina, uma rainha portuguesa que manteve a identidade espanhola, que foi contra a vinda da família real para o Brasil, que declarou sua alegria com a volta a Portugal, que se recusou a jurar a Constituição portuguesa e defendeu o absolutismo até o fim, certamente não servia para ocupar o pódio dos personagens dignos da memória nacional brasileira.

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